Quando Chove por Dentro



Quando Chove por Dentro

Naquela cidade de concreto e silêncios, as noites chuvosas sempre chegavam sem pedir licença. E era nessas noites que dona Emília deixava a luz da varanda acesa, mesmo sabendo que ninguém viria. O marido se foi há sete anos, os filhos moravam longe, e os vizinhos já não batiam mais à porta como antes. Mas a chuva... ah, a chuva era fiel. Sempre voltava.

Na janela do prédio ao lado, um rapaz magro, de olhos fundos, observava as gotas escorrendo pelo vidro como quem procura respostas que nunca vêm. Gabriel, seu nome. Trabalhava demais, falava de menos. Na chuva, encontrava uma desculpa para o nó na garganta e a ausência de palavras. Dizia pra si mesmo que era só o tempo, mas sabia que era saudade do pai que partiu sem aviso — e da coragem que nunca teve de dizer “eu te amo”.

Mais abaixo, no bar da esquina, seu Joaquim lavava os copos devagar. A televisão ligada, o futebol rolando, mas ele nem assistia. Os fregueses sumiam quando o tempo fechava. E ele agradecia. Era nas noites vazias que lembrava da mulher que partiu num dezembro chuvoso como aquele. Desde então, as nuvens carregadas pareciam levar consigo pedaços de sua alma.

A cidade, vista de longe, parecia adormecida. Mas a verdade é que ela chorava. Não pelas ruas alagadas ou pelos telhados que pingavam. Chorava pelos que escondiam seus sentimentos embaixo das cobertas, nas entrelinhas de um livro, no último gole de um copo esquecido.

Porque, no fundo, toda noite chuvosa é um palco silencioso onde as tristezas dançam sozinhas, esperando o amanhecer para se calarem outra vez.

Fim.


Vinícius Silvério Muniz da Silva 
Poeta Jovem Barueri 
06/06/2025 Sexta feira 

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