Crônica: Entre Regências e Concordâncias
Crônica: “Entre Regências e Concordâncias”
Acordei cedo — advérbio de tempo colocado antes do verbo, como recomenda a gramática — e fui direto à minha estante. Era sábado, mas o sol já concordava com o esforço: raios fortes invadiam a sala, iluminando minha missão do dia. Eu escreveria a crônica perfeita. Aquela que respeitaria todas as regras da língua portuguesa brasileira.
Comecei com uma oração simples: sujeito, verbo e complemento. Nada como respeitar a boa e velha ordem direta. Depois, abusei das orações subordinadas adjetivas, explicando cada personagem que surgia na minha cabeça, inclusive o Senhor Fonema, velho ranzinza da fonologia.
Evitei pleonasmos viciosos, pois já sei que "subir pra cima" e "entrar pra dentro" irritam os bons gramáticos. Também fui cuidadoso com os pronomes relativos — que, os quais, cujas — para não me perder na coesão.
Usei vírgula após o vocativo, claro:
— Senhor leitor, espero que esteja acompanhando.
Fiquei atento à crase, sempre colocando o acento grave antes de palavras femininas que exigem a preposição “a”. Fui à feira, à escola e voltei com orgulho. Mas não usei crase antes de verbos, nem antes de palavras masculinas. Nada de “à trabalhar” ou “à pé”.
Os porquês me visitaram em fila indiana:
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“Por que você escreve isso?”, perguntou o primeiro.
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“Porque quero mostrar respeito à nossa língua”, respondi.
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“Mas isso é difícil, por quê?”, insistiu o terceiro, no fim da pergunta.
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“Ah... um porquê digno de um livro inteiro”, filosofei, usando o substantivo.
Lembrei da regência verbal: quem gosta, gosta de algo. Quem assiste, assiste a algo, com crase e tudo. E claro, jamais confundi “houveram problemas” — o verbo haver no sentido de existir é impessoal, conjugado no singular: houve problemas.
Não abusei dos advérbios, mas também não os deixei soltos no fim das frases, como quem joga a culpa depois. Posicionei bem os pronomes, seguindo a colocação pronominal: “me disseram” no início, “disseram-me” no meio formal, e jamais “disseram me” (crime sintático imperdoável).
Mantive a concordância nominal entre os adjetivos e os substantivos: casas velhas e abandonadas, homens calmos e educados. E não deixei a concordância verbal vacilar: os alunos chegaram, a turma estava animada, os dados foram coletados.
Usei o hífen como manda o Novo Acordo Ortográfico: sem ele em “microondas”, mas com ele em “anti-inflamatório”.
E já que falei em acento, jamais deixei “ideia”, “heroico” ou “feiura” com os velhos acentos que a reforma derrubou. O trema? Já se foi, mas ainda mora no coração de quem pronuncia “linguiça” com emoção.
No fim, a crônica ganhou vida, cheia de períodos compostos, enumerações elegantes e pontuação precisa. Usei a coerência para não perder o leitor, e a coesão para costurar cada parágrafo como quem tece uma tapeçaria lógica.
Fechei o texto com ponto final — não exclamação, não interrogação, não reticências. Apenas o ponto.
Simples. Correto. Direto.
Vinicius Silvério Muniz da Silva
Poeta Jovem Barueri
07/06/2025 Sábado
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